Há dez dias atrás, o dramaturgo, diretor e ensaísta Augusto Boal veio a nos deixar para fazer parte de um grupo de imortais que habitam os Campos Elíseos. Neste domingo de Dia das mães (10/05/2009), no Carderno Dois de A Gazeta, o diretor, dramaturgo e tradutor Erlon Paschoal publicou um texto em homenagem a genialidade de Boal.
Àqueles que não tiveram condições de apreciar a este belo texto, recebi permissão tanto de Erlon Paschoal, quanto do editor do Caderno Dois, José Roberto Santo Neves. Apreciem:
ERLON JOSÉ PASCHOAL
O teatro conta Boal
Diretor teatral analisa o legado político-cultural da obra do mestre Augusto Boal, que morreu no último dia 2 de maio, aos 78 anos
ESPECIAL CADERNO DOIS
A opinião é unânime: Augusto Boal, que morreu no último dia 2 de maio, aos 78 anos, foi um dos maiores teatrólogos brasileiros e, através das técnicas desenvolvidas a partir de suas teorias e de sua prática incansável e ininterrupta, tornou a riqueza da produção teatral de nosso país conhecida em todo mundo. Perseguido pela ditadura militar, tal como milhares de brasileiros, criou o Teatro do Oprimido, seguindo as veredas abertas por Paulo Freire, e veio a ser sem dúvida o representante do teatro brasileiro mais reconhecido e premiado no exterior.
Boal ampliou a atuação social do teatro e lhe deu uma dimensão política cotidiana sem igual. Suas técnicas teatrais são cultivadas nos mais diversos países do mundo: da Suécia ao México, da Colômbia ao Japão, da França a Moçambique. É um dos artistas brasileiros mais conhecidos na Índia, por exemplo. Suas propostas acabaram se tornando sinônimo de um teatro libertador no qual todos podem ser atores e exercitar as inúmeras possibilidades de metamorfosear-se e de assumir os papéis que muitas vezes a vida nos impede de fazer. São utilizadas por muitos como instrumento de autoconhecimento e, ao mesmo tempo, de construção da vida social.
Tal como Bretch, Boal pretendia fazer do teatro uma atividade cotidiana praticada nos mais diversos espaços públicos, uma ferramenta útil de manifestação político-cultural e de desenvolvimento das relações sociais. Por isso, sua obra é reconhecida não só pelos atores de profissão e pelos atuantes em geral, mas também interage com outras áreas do conhecimento, como a arte-educação, a sociologia e a psicologia, entre outras. Transformou-se ao longo do tempo em um curinga presente ativamente em variadas manifestações artistícas, políticas e sociais. De verador a diretor de grandes espetáculos, passando por apresentações visíveis ou invisíveis em bairros periféricos de diversos países, fes do teatro a sua arma de luta por um mundo mais justo. Consciente de sua função mediadora, afirmou certa vez: “Faço veredas, atalhos. Quero mais. Sou excessivo, demasiado. Seria incômodo falar de mim; no que faço, importa o feito, não o fazedor”.
Por seu intermédio, o Arena contou várias histórias de figuras emblemáticas da história brasileira e o Opinião apresentou vários shows-verdade tendo no palco pessoas-personagens dialogando através de letras de músicas ainda pouco conhecidas na época, de forma drama´tica e explicitamente teatral. Stanislawsky foi uma de suas refências teóricas fundamentais para desenvolver um método de interpretação baseado na expressão da verdade interior e no ator multidimensional. Implementou em seu teatro a ideia do espectador ativo que não se resignasse à ideia de ficar sentado, passivo, assistindo ao desenrolar das cenas tal como na vida política, na qual a imensa maioria da população apenas acompanha os acontecimentos sem participar da tomada de decisões.
Seu dircurso era radical, sem ter impositivo, pretendia-se revolucionário, sem deixar de ser democrático. Ocupando o palco, os espectadores poderiam então determinar o rumo dos acontecimentos, influenciar o desdobramento dos conflitos e forjar o futuro de seus personagens. Uma espécie de exercício lúdico de uma possível participação política, de uma atuação mais efetiva na vida social, com consciência de que a contribuição de cada um é de fundamental importância para a criação de um país de todos, como se pode apreender da mensagem anual da Unesco, escrita por Boal há algumas semanas, para ser lida no dia do teatro: “Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida. Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!”.
Erlon José Paschoal é um gestor cultural, diretor de teatro, dramaturgo e tradutor.
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