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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Comeria eu carne de Touros?

Caramba, pelo menos alguma coisa deu certo nos editais dedicados ao teatro, realizados pela SECULT. O Edital Prêmio de Incentivo Alvim Barbosa de Incentivo à Produção de Espetáculos Cênicos, está indo de vento em pompa. Aprovou os mais variados espetáculos, de rua ao palco, sejam monólogos, peças ou simplesmente trabalhos de expressões corporais, o prêmio garantiu os trabalhos que estão em cartaz nesse fim de ano.

Começamos com “Acinzentado”, com Letícia Braga, que se saiu fantástica no seu trabalho de expressão corporal, fazendo um menino. Depois tivemos a Cia. Folgazões, com seu novo espetáculo de rua, que esteve alegrando a criançada do CAIC, em Novo Horizonte. Agora, heis que surge o trabalho de Déia Carpanedo e Marcela Cavallini, “Comeria eu carne de Touros?”.

Num trabalho de expressão corporal, elas pretendem levar em cena a questão do sacrifício humano. Segue abaixo o release e a sinopse, enviados a mim por Marcela Cavallini. O espetáculo estará na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, nos dias 11 e 12/12/2008 (quinta e sexta-feira, respectivamente), em dois horários, as 18:00 e as 20:00, com entrada franca.

Comeria

eu

carne

de

touros?

convite-virtual.jpg O título é uma metáfora ao tema deste projeto e faz referência ao Salmo 49 do Antigo Testamento, em que Deus fala a seus fiéis sobre a inconsistência do sacrifício em louvor a Ele quando o ato é realizado na insinceridade.

O sacrifício está no âmbito das relações humanas e sociais no que implica a dependência, oferecimento, renúncia, altruísmo, amor ou até reconhecimento por algo ou alguém.

No plano emocional, o sacrifício traz a idéia de quanto perseguir um ideal coloca o indivíduo defronte com expectativas em relação aos seus sonhos que, com freqüência, envolvem conflitos no processo de realização. Refletir interiormente as escolhas, analisando os argumentos contra e os a favor é ampliar a compreensão do mundo na tentativa de libertar-se para novas perspectivas de vida. Comeria eu carne de touros? coloca essa possibilidade no âmbito pessoal e social no que implica buscar o que há de melhor em nós mesmos, com o foco de atenção voltado para o interior.

Esta introdução se faz necessária, pois foi a partir dela que chegamos ao tema da pesquisa de montagem de espetáculo que ora apresentamos a este projeto de lei, o sacrifício, ou como ele é vivenciado na humanidade.

Partindo do pressuposto e entendendo que o sacrifício está presente na condição e nas formas de ser humano, Comeria eu carne de touros? pretende registrar essa diversidade em forma de dança/teatro, utilizando-se das reflexões e observações do grupo sobre o tema.

JUSTIFICATIVA

IMG_1375 O sacrifício, escolha em que há uma idéia de recompensa energética entre quem está oferecendo e o que se oferece, pode ser encarado como parte essencial do preço que pagamos para sermos humanos. É fazendo escolhas, muitas vezes, que construímos nosso caráter e promovemos mudanças construtivas e duradouras que nos levam ao diálogo mais coeso entre o inconsciente e o consciente.

Reconcebendo a teologia cristã, é no momento do sacrifício de Cristo na cruz que surge a sua última tentação existencial: aceitar a condição de homem comum ou assumir eternamente para o mundo a figura do messias e salvador dos homens. Esse momento representaria a dualidade de Cristo: matéria-espírito, instinto e razão.

Mas, se Cristo é o próprio Deus encarnado, ele antecede esse momento, e nesse caso, ele é, intencionalmente, o próprio objeto de sacrifício, inalienável, que deseja aproximar Deus dos homens. Por possuir o poder divinatório, ele também é o sacrificador, e nesse caso, assume uma força e presença material diante do bem espiritual.

Segundo o cristianismo, quando nos sacrificamos pelo outro, estaríamos invocando a própria presença de Cristo. Por intermédio da Eucaristia, sacramento do Amor de Deus onde pão e vinho representam, respectivamente, o corpo e sangue de Cristo, confirmar-se-ia a continuidade da vida de Jesus entre os homens, o que perpetuaria o ato sacrificial para todos que o praticam com graça: ao fiel se alimentar dessas substâncias estaria entrando em contato e portando para ele o objeto, o sacrificador e o sacrificado.

IMG_1550 Apesar do projeto se ater com mais veemência ao tema do sacrifício no cristianismo, por enfatizar o nível de conflito humano para a tomada de decisão, outras também o tem como prática, porém com conotação diversa. No candomblé, por exemplo, a presença desse ato é marcante nos rituais e fruto de muitas superstições e preconceitos. A ação é presenciada somente pelos fiéis e realizada por uma pessoa especializada que não pode deixar que a sua oferenda sinta dor. O objeto do sacrifício é sempre um animal que, além de servir de oferenda para os orixás, é reaproveitado ou para alimentação, com o propósito de nutrição comunal entre os humanos e os orixás, ou para a fabricação de utensílios para as cerimônias. Porém, o elemento principal da ação não é o ser sacrificado, e sim o que ele emana de substância, o sangue (Èjè), que já simboliza para os crentes o veículo da vida. Essa prática reforçaria o poder e o sustento imateriais, o que agradaria as entidades espirituais do Candomblé, além de união com a natureza, alcançados pela ritualização da morte. Nesse sentido, o sacrifício é uma reconciliação com a entidade, destinado a alcançar o seu desejo e uma maneira de alimentá-lo. Considerando que no ato de imolar o animal os orixás desejam o sacrifício, há uma relação entre o tamanho da troca e o que se quer alcançar? Se existe ela é mediada pelo quê? E como se dá a comunicação espiritual durante esse processo, a idéia de conflito permanece nessa relação?

Levamos em conta a coexistência no ser humano do sagrado e do profano a fim de discutir como ambos interferem na construção da imagem corporal do indivíduo na sociedade e de sua corporeidade. Entende-se de corporeidade a experiência vivida do corpo como forma de ser no mundo e de imagem corporal a maneira de exprimir que o corpo está no mundo. Sabemos que esses conceitos são frutos de uma discussão atual sobre a noção do corpo-próprio, pois ainda na idade moderna, com o desenvolvimento da ciência e o exacerbar da racionalidade, a cisão do corpo (e com ele as questões religiosas e metafísicas) se fez presente em relação ao intelecto e, mesmo antes, o corpo era instrumento de algo maior (alma) que para alcançar a purificação se fazia necessário o seu sacrifício, ou seja, prevaleceu, durante um longo tempo, o entendimento linear do corpo. A partir da compreensão histórica e filosófica acerca do assunto, não mais é pertinente conceber a dualidade entre corpo e mente, matéria e espírito, pois o corpo é portador de consciência e atuante nos procedimentos racionais.

Por ser o corpo este lugar de onde as ações emergem e se concretizam aos olhos do mundo e por esse, na história dança, ter vivido a discussão do dualismo, dos preconceitos, da subserviência do culto e da expressão do homem é que acreditamos que a questão do sacrifício irá envolver a dimensão corpórea humana, fazendo-nos identificar nele os sentidos dessa experiência.

“É a entrada de um mercado de pulgas. Não se paga ingresso. É grátis. Gente mal-agenbrada. Vulpinos, brincalhões. Por que entrar? O que você quer ver? Estou vendo. Estou constatando o que há no mundo. O que sobrou. O que foi descartado. O que não se quer mais. O que teve de ser sacrificado.”

(Susan Sontag, O Amante do Vulcão, p. 11)

ROTEIRO COREOGRÁFICO

Comeria eu Carne de Touros? aborda a temática do sacrifício como uma condição inerente ao ser humano no que concerne às escolhas, aos desejos de se alcançar algo e aos conflitos envolvidos na tomada de decisão.

No espetáculo, o corpo é a percepção dessa experiência, por ser este o lugar de onde as ações emergem e se concretizam aos olhos do mundo e por nele convergirem vida e morte, destruição e transformação, espírito e matéria.

A duração do espetáculo é de, aproximadamente, 30', a saber:

1ª cena: A Roda da Vida

IMG_1485 O sacrifício do presente como forma de esforço para se alcançar algo no futuro. Nesta cena, a presença da roda ao fundo compõe as metáforas do tempo e as oscilações da vida. A espera pelo destino é base para transformação e necessária para sua própria compreensão. À frente, um bailarino é oferecido ao público como convite e desafio a participar desta entrega.

Suba os degrau menino, ache o que perdeu.

Eu, Samsara, sou caminho feito para você.

Mas Sou subida íngreme.

Suba e carregue seu fardo.

(trecho de Poemisa – Cezário Saiter)

2ª Cena: Imolar

O contraponto entre a idealização de um sonho e a impossibilidade de realizá-lo. A predominância do mundo material com suas dificuldades inerentes é representada pelo bailarina que, corre em direção e em torno de uma gangorra. Enquanto isso, a outra bailarina alça vôo a partir de seu próprio figurino suspenso numa tentativa de alcance de suas escolhas. Os corpos evoluirão em cena no sentido de um equilíbrio e de um encaixe entre as forças opostas.

3ª Cena: O duplo

Jesus é o Deus encarnado, o fim da dicotomia, porém, não é esta a visão que predomina na igreja. O apóstolo Paulo reafirma a visão dicotômica da igreja quando prega que todo Cristão tem que se guiar conforme o espírito, pois ele representa e detém os bons sentimentos, o amor, a ternura, a bondade e a fé. A carne representa e detém os maus sentimentos, a saber, a mesquinharia, a fornicação. Seguindo essa doutrina, a noção do sacrifício enquanto caminho da purificação da alma por meio do corpo faz-se necessária se somos tentados aos sentimentos ruins.

FICHA TÉCNICA

Criadores/Intérpretes

Lucidélia Carpanedo, Marcela Cavallini

Produção

Lucidélia Carpanedo, Marcela Cavallini

Diretor/Musical/Intérprete

Doriedson Coutinho de Sant’Ana

Cenógrafo

Cesário Saiter

Figurinista

Vinicius Magalhães

Iluminador

Everaldo Nascimento

Design Gráfico

Flávia de Macedo

Preparador Físico

Contra-mestre “Dengo”

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