por Charlaine Rodrigues (produtora de TV, atriz e pós- graduanda em Linguagens Audiovisuais e Multimídia pela Ufes.)
Resumo: A atriz Fernanda Montenegro participou do lançamento do Funcultura e mostrou, com muito pouco, porque é uma das maiores artistas brasileiras.
Estudar, ler, ver imagens e ouvir o que pessoas falam sobre um ídolo cria muitas expectativas e alimenta a alma. Mas nada se compara a encontrar com esse ídolo e comprovar que ele é exatamente tudo aquilo que você imaginava e ainda consegue te surpreender com sua magnitude. Não estou falando de uma Deusa ou de nada que não seja desse mundo. Estou falando de uma Fernanda. Grande diva do teatro, cinema e televisão brasileiros com mais de 60 anos de carreira, Fernanda Montenegro esteve em Vitória para o lançamento do Funcultura. Um fundo que irá injetar verba para a produção de arte no Espírito Santo e também irá auxiliar a formação profissional dos artistas locais. O encontro foi realizado no Teatro Carlos Gomes, na última segunda-feira.
Antes de tudo quero agradecer a dona Carmozina Campos de Menezes (ex-professora de Fernanda), que cobrava que os alunos decorassem poesias aos oito anos de idade, e tantos outros que passaram pela vida dela. A todos que fizeram com que ela se tornasse o ser humano que é hoje.
Para esse evento ela trouxe três exemplos de produções artísticas: “Algumas pessoas pensam que cultura é algo abstrato, que não dá voto, mas eu quero mostrar pra vocês alguns exemplos de como a cultura é importante para todos. É algo que alimenta e conforta” disse Fernanda. A primeira obra é a música “Todo sentimento” de Chico Buarque de Holanda, interpretada por Elizeth Cardoso. Naquele momento a linha era muito tênue que dividia uma simples senhora que estava apreciando uma boa música, sentada em sua cadeira, relembrando toda a sua vida e um dos maiores símbolos da arte brasileira, com todo o poder nos olhos de quem abriu caminhos e tem voz mais do que ativa na cultura do país. Todas as Fernandas, de todas as épocas, estavam presentes naquele palco numa atmosfera mágica de saber que, mesmo com toda a transparência e disponibilidade em dividir aquele momento conosco nós nunca saberemos o que aquela música realmente representa para ela.
O segundo momento foi um poema de Marina Colassanti, chamado “Eu sei, mas não devia” que começa com uma frase chave para os nossos dias: “Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia”. Com essa postura ela trança pensamentos sobre a arte, sobre si mesma e o país: “A gente tem o país que tem porque a gente não se move”. Frizou a atriz.
Com tantos anos de carreira e trabalhos dos mais variados ela se orgulha de ter um público variado. Mesmo ainda encontrando pessoas bem velhinhas que vão ao seu encontro dizer que lembram de quando ela estreou no teatro, também recebe em suas platéias muitos jovens: “O teatro que eu faço não é para velhos ou jovens, é um teatro para gente”. Parte desse carisma está em escolher bons trabalhos e valorizar, tanto quanto a si, mesma as pessoas que vieram vê-la. É um encontro de uma família, que naquele momento optou por pela atriz, afinal, ir ao teatro é uma escolha onde as pessoas precisam sair de casa em direção ao “território sagrado” (expressão adotada pela atriz): “No momento que eu estou no palco a platéia é minha e eu sou deles e nesse momento eu dou tudo de mim. Se a união não dá certo não é porque eu não tentei, mas porque eu não consegui”. E complementa: “A platéia é um corpo vivo. Um teórico uma vez disse que se houver um muro entre o ator e a platéia, não lute. É porque é pra ser assim. Respire e deixe acontecer. Ela pode reagir da forma que quiser.”
Então como todo bom encontro de família é bom que as pessoas conversem que se conheçam e saibam das novidades de um e de outro. Fernanda respondeu todas as perguntas que foram feitas com elegância e inteligência. Dentre os temas, que variaram de questões específicas sobre sua carreira até assuntos globais, ela traçou uma relação com o teatro de quando começou a carreira e hoje: “Eu sei mesmo é da minha ‘vidinha’ e eu sei do passado. Agora do futuro... Mas eu posso dizer que antes era possível viver de teatro. Nós tínhamos companhias com 20 atores, 10 cenotécnicos e todos recebiam o seu salário. Podíamos cobrar um preço justo pelos ingressos e eles supriam as despesas da peça. Se não conseguíamos pagar tudo pegávamos empréstimos em bancos, mesmo sem saber se poderíamos pagar, os juros eram mais baixos. Hoje não é possível viver de teatro e com isso o governo tem assumido o papel de ceder patrocínio para as montagens teatrais, mas por causa disso todas as peças precisam passar pelo crivo de um edital, de uma banca que irá julgar se o seu projeto vale a pena ou não. Se naquela época era melhor? Bem, eu digo que era mais liberto”.
Um dos assuntos mais defendidos por Fernanda foi o papel da cultura na educação e vice versa na formação do ser humano. “Eu sou de um tempo onde não se dividia educação e cultura como é feito hoje. Isso tem que andar junto. Eu não sei onde está o problema, mas as pessoas podem até saber ler, mas são incapazes de formular frases e pensamentos e isso pode ser possível com vivências artísticas e culturais”.
O encontro encerrou com um poema de Carlos Drummond de Andrade, defendido pela própria atriz como um dos melhores poetas do mundo.
Mostrando que para ser um bom artista é preciso ser, antes de tudo, uma boa pessoa, que se interessa pela vida e a respeita é que Fernanda Montenegro passou pela minha vida e deixou marcas que ficarão para sempre e espero um dia poder ter a mesma facilidade para dizer que: “Eu já vivi o melhor da minha vida. E a vida tem uma alquimia. Hoje eu estou deixando que essa alquimia me toque e me leve”.
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