O Centro Cultural
Frei Civitella di Trento em Cariacica abre as portas para receber o espetáculo "O Cemitério de Automóveis" nos meses de Agosto e Setembro deste ano.
A montagem, parceria entre os Grupos Tarahumaras e Boiacá foi contemplada como o Prêmio Miriam Muniz de Teatro (FUNARTE 2009) e estréia nesta quinta-feira(05/08) em exibição para convidados.
O texto do renomado diretor e dramaturgo Fernando Arrabal é dirigido pelo dramaturgo e diretor capixaba Wilson Coêlho, que nos textos que nos enviou deixa claro o que podemos esperar desta maravilhosa obra agora encenada.
"Toda obra de arte se pauta por códigos que lhe são próprios. Códigos estes que, apesar de distintos, podem até se dar como uma unidade no sentido da criação (poiesis) e daquilo que lhes confere o status de obra de arte. No caso do teatro, tanto na dramaturgia quanto na pesquisa de montagem e mise-en-scène (apresentação) parece impossível que se realize sem que se enquadre num modelo entendido a partir do conflito e da existência de personagens, sem falar nas estruturas do texto que geralmente se sustentam de ação central, carpintaria, prólogo, desenvolvimento da intriga, crise, clímax, epílogo, etc.
Isto posto, ao dirigir O CEMITÉRIO DE AUTOMÓVEIS, de Fernando Arrabal, faz-se imprescindível rever alguns conceitos, considerando a linearidade do texto, a inexistência de “personagens” e a ausência do conflito. É uma montagem em que a encenação deve tornar-se invisível para que a peça se manifeste, como um corte na realidade. Daí, o conflito se realiza no fenômeno resultado da relação entre palco e platéia e que, os chamados “personagens”, como peças de um jogo de xadrez, não passam de elementos definidos numa rede de significações construídas no cotidiano. Assim, o cenário cede lugar ao espaço, levando em conta que as situações têm uma existência anterior ou paralela, na realidade (sem ser realista), onde os atos humanos se dão como uma contingência. Resta desenvolver uma habilidade no jogo que se estabelece entre os atores em cena e os espectadores".
(WilsonCoêlho)
O CEMITÉRIO DE AUTOMÓVEIS
O cemitério de automóveis vem a ser uma versão muito peculiar da vida e paixão de Cristo, a quem dará o nome de Emanú (com a supressão do sufixo “el”, que em hebreu significa Deus, o autor expressa sua opção exclusiva pelo humano). A ação tem lugar num espaço cênico enormemente sugestivo cuja decoração espetacular Arrabal introduz no teatro as tendências materiais das artes plásticas. O mundo vem configurado por um subúrbio de barracos e miséria, de luzes e sombras, representado por um amontoamento em diversos níveis de carros queimados. Com a chegada de Emanú, que pretende, junto com Foder (Pedro) e Tope (Judas) alegrar a vida dos pobres do cemitério, as relações se transtornam. O trio de instrumentistas de jazz, encabeçado por Emanú, que toca a trompete, aparece como um elemento perturbador.
FICHA TÉCNICA
Autor............................................................Fernando Arrabal
Tradução.................................................................Wilson Coêlho
Direção/Encenação...........Nysio Chrysostomo e Wilson Coêlho
Direção musical........................................................Fraga Ferri
Figurinos.......................................................Gilbert Chaudanne
Produção Visual.................................................Berenice Pahins
Produção Executiva.........................................Marcos de Castro
ELENCO
Berenice Pahins........................................Lasca (atleta e policial)
Fernanda Picoli....................................................................Dila
Fraga Ferri........................................................................Fóder
Hudson Braga....................................................................Milos
João Vita................................................Tiosido (atleta e policial)
Marcos de Castro................................................................Topé
Ricardo Amaro..................................................................Emanu
ENTRE O LÓGICO E O DESCONHECIDO
Estava em um café de Paris com Beckett quando se aproximou Susana, sua mulher, com um livro que acabava de chegar da Inglaterra, intitulado Teatro do Absurdo, de Martin Esslin.
Na capa do livro estavam as fotos de Ionesco, Beckett, Adamov e Arrabal. Lembro-me que Beckett, a o vê-lo, sorriu e comentou: “Teatro do absurdo, que absurdo!” Nenhum de nós era fanático do absurdo nem soldados da razão.
(Fernando Arrabal)
Encenar uma obra de Fernando Arrabal, para além do prazer estético, significa empreitada perigosa, considerando que, no processo de pesquisa, muitas das vezes, nos apanhamos numa estrada sinuosa que se desenha num terreno baldio. A estrada é sinuosa pelo fato de se construir no próprio ato da caminhada e o terreno é baldio por ser repleto de obstáculos. Obstáculos estes que se dão como tal na medida em que se desvelam, e também re-velam (velam outra vez), aquilo que momentaneamente supomos ter des-coberto.
Por um lado, temos a questão histórica em que a guerra civil espanhola perpassa sua espinha dorsal. Ao mesmo tempo, esse Arrabal nasceu no continente africano, em Melilla, que o faz espanhol pelo fato de ser uma colônia de Espanha em Marrocos. Mas ele se exila em Paris, onde produz praticamente a totalidade de sua obra. Nesse sentido, trata-se de um desterrado, um homem que faz do não-lugar (u-topos) o seu lugar.
Levando em conta a sua trajetória, tanto no sentido cultural quanto artístico, sua obra ocupa espaço (e é ocupada a todo momento) nos movimentos dadaísta, surrealista, postista, pânico e, conforme alguns críticos, no absurdo. Desses movimentos, de certa forma, destaca-se o pânico, criado em Paris, na década de 60, por Fernando Arrabal, juntamente com Alejandro Jodorowsky e Roland Topor. Mas isso não vem muito ao caso se levarmos em conta que o pânico (do deus grego Pan, da totalidade, onde se mistura o humor com o terror) se realiza de forma mais contundente em sua obra cinematográfica.
Em Fernando Arrabal não há como confundir autor e obra, ou seja, um e outro são o mesmo. Tampouco se pode rotulá-lo, pois sua obra tem influências das artes plásticas, da patafísica (ciência das soluções imaginárias, conforme Alfred Jarry), sem esquecer o xadrez, a física quântica, as matemáticas, os fractais, etc.
A linguagem em Fernando Arrabal é a simplicidade, o olhar infantil sobre o mundo, no sentido da ingenuidade, onde a crueldade não diz respeito à moral ou ao imoral. É uma leitura de que o ser humano faz o que faz pela incapacidade de compreender o sentido da existência.
Eis ai o desafio para que surja um novo ator, que não seja dramático, que não seja cômico, mas que experimente essa estranheza do homem diante do lógico e do desconhecido.
(Wilson Coêlho)
Serviço:
Local: Centro Cultural “Frei Civitella di Trento”
End: Av. Expedito Garcia, 218 – Campo Grande – Cariacica – ES - Brasil
Datas: 05, 06, 07, 08, 14, 15, 21, 22, 28 e 29 de agosto
04, 05, 11, 12, 18, 19, 25 e 26 de setembro
Horário: 20 horas
Valores: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
OBS.: O dia 05 (quinta-feira) será a pré-estréia para a imprensa e convidados. Nos demais dias os ingressos custarão
Informações: (27) 9938.9794
2 comentários:
Cemitério dos Automóveis, competentemente dirigida e encenada no município de Cariacica, no Centro Cultural Frei Civitella di Trento, com excelente destaque para o ator Hudson Braga, é uma peça que provoca o sentimento de texto sugestivo e aberto, sem linearidade argumentativa, mas com provocações soltas e, ao mesmo tempo, amalgamadas no caos da mente perdida, acerca da pequenez humana, tudo isso de forma dialogada com a história de Cristo, traído por Judas e assassinado por trazer alento ao povo pobre. Morar em carros velhos e querer ser tratado como se estivesse em hotel de luxo mostra que o pobre tem os mesmos sonhos do rico, e isso uniformiza a miséria ideológica da atualidade. Além disso, os carros, símbolos de conquista no mundo moderno, terminam velhos e abandonados, assim como os homens que, infelizmente, no comportamento capitalista, amam as coisas e usam as pessoas, em vez de amar as pessoas e usar as coisas. Dessa forma, a utilização do sexo como sobrevivência, o autoengano, a alienação, a ganância, a fusão e a troca de papéis entre os casais, a pobreza de espírito e financeira, entre outras temáticas sugeridas, constituem uma colcha de retalhos, um mosaico, uma mistura de reflexões que levam o espectador a perceber, em cada cena, a fundição entre carcaças humanas e sucatas automobilísticas, bem como o entrelaçamento de correntes, algemas e correias, que amarram o indivíduo em seu “mundinho” apertado, do qual ele não pode, não consegue nem quer sair.
Boa noite Prof. Jean ..
Nossa, como é bom receber uma crítica bem integrada como a sua!
Reconhecer os pontos de reflexão suscitados pela encenação revela sua capacidade em apropriar-se do fenômeno cênico como um mecanismo para além da exposição plástica, mas de fato um mecanismo capaz de comunicar e possibilitar o dialogo circundante a sociedade?...
Saudações!
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