Esta peça teatral é uma daquelas que eu queria muito ter ido na estreia dela, mas não consegui ir, só que desta vez eu não pretendo perdê-la.
“O Mendigo, O Imperador e Suas Palavras” é uma trabalho em conjuntos dos atores Everaldo Nascimento e Altamir Furlane, que decidiram levar o livro infanto-juvenil do dramaturgo Bertold Bretch (1898-1956) para os palcos de Vitória/ES. A peça se baseia em “O Mendigo ou O Cachorro Morto”, escrita em 1919. A estreia da peça teatral aconteceu em fevereiro de 2011, no Teatro do Sesi, e retorna agora no auditório da Escola de Teatro, Dança e Música FAFI nos dias 14, 15, 21, 22, 28 e 29 de maio de 2011 (sábados e domingos), as 20h00, com ingressos nos valores de R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia). A pedido de Everaldo Nascimento, segue abaixo um texto feito pela Profa. Dra. Terezinha Maria Schuchter, do Centro de Educação da UFES. A todos desejo um ótimo espetáculo!
O Mendigo, o Imperador e suas palavras:
uma peça teatral necessária
Terezinha Maria Schuchter
Doutora em Educação – Professora do Centro de Eduação da UFES
A peça teatral “O Mendigo, o Imperador e suas palavras”, nos faz relembrar a sempre atual obra de Berthold Brecht, através da adaptação do texto “O mendigo ou o cachorro morto” (1919).
Com uma magnífica interpretação, mesclada pela dança, música e teatro, Everaldo Nascimento e Altamir Furlane, ao mesmo tempo nos prendem, tornando-nos estáticos, pois provocam a observação atenta de cada detalhe das cenas e do diálogo travado, como também nos transportam, nos inquietam, nos incomodam, nos fazem ir muito além do espaço físico onde encenam. Trazem-nos a necessária dúvida, a indignação, a estranheza, a sensibilidade.
Aí reside a atualidade da peça. Vivemos um momento da falta, da ausência, da mesmidade e da conformação. O ser humano perdeu o que lhe impulsionava e provocava a busca pela transformação da realidade: a indignação e a vontade de lutar e transformar. Ao falar da relação entre arte e ciência, Brecht, afirmou: “a transformação da sociedade é um ato de libertação. Cabe ao teatro de uma época transmitir o júbilo desta libertação”. Brecht, também nos pediu: “estranhem o que não for estranho, tomem por inexplicável o habitual, sintam-se perplexos diante do cotidiano”. O mendigo fedendo a miséria, sentado diante da porta do Imperador, que estava pronto para comemorar mais uma conquista, é exatamente a dúvida, a perplexidade. Para ele o fato dos sinos dobrarem não era para comemorar o grande feito, mas a morte do seu cachorro. E o que é a morte do cachorro do mendigo para nós?
É a violência que mata nossas crianças e nossos jovens, é o narcotráfico que se transformou na única expectativa de vida dos jovens, é a corrupção (que não acabou!) que desvia verba pública das políticas sociais para os bolsos de uma minoria que só trabalha por interesses particulares, é a falta da saúde, da educação, da cultura, do lazer, do esporte, da política de geração de renda. É a pobreza absoluta. Palavra quase não mais pronunciada. Os pobres que continuam muito pobres, eufemisticamente agora são denominados de excluídos. E nós até esquecemos que excluídos são todos aqueles que sequer têm algo para comer.
Infelizmente mesmo havendo vozes que afirmam que a casa está arrumada, que o Brasil é hoje uma grande potência, tem muito mendigo e cachorro morto em nossa porta. Mas a ditadura do silêncio, do conformismo, do consenso nos cega, nos rouba o que Brecht nos pedia – indignação e sensibilidade! Disse ele: “suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar”. Este é o apelo da peça “O Mendigo, o Imperador e suas palavras”!
A peça é o grito, para que nós percebamos que a ordem política e econômica atual não é natural, não é necessária, não é inevitável. O grito da peça é para que percebamos que a História pode sim ser recriada, transformada, transgredida. Ainda há História, ainda há sujeitos da História. A História não acabou como quiseram que acreditássemos. A sociedade continua dividida em classes. Nós podemos questionar os discursos enunciados. O diálogo consensual é burro. A política de alianças (com Deus e o Diabo) só presta para ganhar eleições e perpetuar a ordem capitalista. Precisamos ter de novo a coragem de afirmar isto! Temos que duvidar, contra-argumentar, produzir contra-discursos, discordar. Precisamos sempre repetir a frase que o Mendigo disse ao Imperador: “Tá tudo errado”. Precisamos da perspicácia do Mendigo que fez o Imperador duvidar da existência do sol e da própria condição de Imperador e suas histórias colonialistas.
A peça é um convite à reflexão: no palco não há cachorro morto. Não há cachorro morto dentro do caixão. Não há enterro do cachorro. Simbolicamente o que é retratado é o enterro da ordem vigente através dos símbolos do Espírito Santo e do Brasil, que são suas Bandeiras. Estas sim estão no caixão. Mas aí está o inusitado da peça: ao final quando se pensa que irão enterrar estes símbolos e com eles tudo que é deplorável, os artistas saem de cena e o caixão permanece aberto no palco. Não há enterro! Ainda há esperança? Será que isto que quiseram mostrar?
Ao permanecer aberto com as duas flâmulas uma de cada lado, o caixão se transforma em um barco. E os artistas não voltam ao palco para os aplausos de fim de peça. Assim a peça não termina e cada um dos presentes vislumbra um final. Ou será que quiseram nos mostrar que não há fim?
Diria ainda: A peça é atual, original e necessária. Precisa ser assistida pela bela e sensível interpretação de Everaldo Nascimento e Altamir Furlane. Entretanto é uma peça necessária não apenas enquanto uma obra de arte, uma produção cultural, mas pela profunda reflexão que produz sobre o momento que vivemos, pela visita à obra do imprescindível Berthold Brecht.
A produção da peça e a atuação dos atores são mais uma demonstração de que o Espírito Santo é celeiro das mais diversas formas de manifestação cultural. O Espírito Santo é cultura. Cabe, pois aos responsáveis pelas políticas públicas no solo capixaba perceber isso, cuidando da cultura e daqueles que a produzem, potencializando-a como política pública e contribuindo para sua democratização, produção e difusão. Basta ter a perspicácia, a sabedoria e a ampla visão do Mendigo cego, personagem da peça.
Como afirmou Brecht, a cultura nas suas mais diversas formas é possibilidade de emancipação e transformação social.
Parabéns aos atores e toda a produção e obrigado pelo presente!
"O Mendigo, o Imperador e suas Palavras"
Local: Escola de Teatro, Dança e Música FAFI
Datas: 14, 15, 21, 22, 28 e 29/05/2011
Horário: 20h00
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário