Tá, eu peguei pesado com o musical durante a 5ª Edição do Festival Nacional de Teatro “Cidade de Vitória”, mas convenhamos, a peça é um fenômeno. Os atores cantam, sem dublagens, com música acompanhada de perto pelo músico e compositor Elenísio Rodrigues, “Boulevard, 83” tem tudo para ser a melhor peça do ano de 2009 no Espírito Santo, ainda mais com suas indicações ao Prêmio Omelete Marginal. Foram 5 (melhor peça teatral, melhor diretor e ator de teatro – Leandro Bacellar, Melhor atriz de teatro – Nívia Carla e Revelação do teatro – Allan Toni).
A história do musical é simples: A Casa de Shows, Boulevard, localizada no número 83, em New Paris City (cidade ficticia) está para fechar devido as dívidas que François, marido de Joe Jocker, deixou antes de morrer. A hipoteca foi arrendada por um gangster, que pretende transformar a casa e expulsar todos de lá, então Zac, um dos integrantes, tem a ideia de montar um espetáculo em tempo recorde, para que arrecadem o dinheiro e possam recuperar a Casa. Então eis que surge Marrie, uma jovem misteriosa que vem da Califórnia, junto com a “prima”, para fazer parte do grupo… Não posso contar mais, senão estrago a história.
A peça tem ótimo momentos cantados, principalmente quando a “cantriz” Nívia Carla está em seu solo (pena que o solo não é totalmente um solo. Senti falta disso!) ou acompanhada da atriz Luciene Camargo (as duas dão um show!). As atuações são medianas, com momentos bons entre os atores Leandro Bacellar, Allan Toni, Luana Eva, Diego Carneiro e Danielle Pansini. Os curingas (obrigado por essa Saulo Ribeiro), interpretados pelos atores Stace Mayka e Werlesson Grassi, não comprometem em nada, sendo até bem vindos para arrumar e desfazer o palco, quando necessário. Sinceramente, é um bom espetáculo que entra em temporada no Teatro Galpão no próximo sábado (07/11/2009), as 20:00, e vai até o último domingo (29/11/2009) do mês, as 19:00, sempre nestes horários, com valor mais popular de R$ 14,00 (inteira) e R$ 7,00 (meia).
Agora lhes deixo com o professor e dramaturgo Saulo Ribeiro e suas palavras sobre o espetáculo “Boulevard, 83” (valeu – novamente –, Saulo!):
New Paris City é uma festa
Assisti Boulevard 83, musical do Grupo Teatro Empório, num domingo de chuva fina e indecisa. Apesar disso o Teatro do Sesi estava lotado. Hoje, outro domingo, desta vez de chuva decidida e grossa, resolvi escrever a respeito.
Antes de tudo um adentro: detesto musicais. Considerando o nome do espetáculo e a sinopse jamais veria. Mas tinha o dedo do Empório. Fui. Saí de lá com uma grande exceção ao primeiro dito: adorei.
Tudo começa quando um cabaré mergulhado em dívidas ameaça fechar. Sua trupe de artistas se mobiliza em um último show em que apostam todas as fichas para arrecadar dinheiro e salvar o lugar, capitaneados pelo malandro pós-decadentista Zac Hemingwai. O Boulevard 83, nome da casa, de acordo com o que nos diz a encenação, é o único lugar onde não há prostituição em todas os cabarés de New Paris City. Nisso, perdão, não me convenceram. Mas, por outra, faz parte do show, de uma época em que as primas disfarçavam sua meretrice nas artes. Hoje, pena, todas são todas eternas universitárias. Reside aí uma sutil ironia da encenação, mente-se tão bem que isto se torna um dos sustentáculos do espetáculo.
O musical
Neste ponto, o da ingenuidade dos personagens num mundo tão torpe e cheio de mafiosos e gangsteres, o musical se filia ao modelo leve e despretensioso de algumas produções da Broadway (não todas, frise-se), tendo como maior objetivo, pena que com recursos financeiros infinitamente menores, o entretenimento do público numa produção bem cuidada e de qualidade. Apesar da linha ser esta, o experimentalismo com outras estéticas tornam tênue a sua classificação apenas como um musical e enriquecem a encenação. Esta é, em suma, a proposta executada magistralmente pelo grupo.
Dandismos e decandentismo
A peça agrada em cheio nos diálogos estéticos que produz. O universo de prazeres dos personagens, o falar cotidiano vários graus acima do natural, e sua certeza de que os tempos estão perdidos e que só resta o cabaré, e depois dele nada mais fará sentido, tudo isso faz paralelo com certo decadentismo tardio, produto do final século XIX, de qual Paris, um dos cenários inspiradores da produção, foi a receptora e difusora para o mundo.
No cenário e figurinos, um certo olhar sobre o dandismo, também tardio. A mentira como recurso permanente resultando na pureza dos mais desprezíveis homens noturnos. É justamente aí que o discurso antiprostituição desaba. As mulheres da peça, salvo quando cedem a pieguismos intrínsecos a certos tipos de musicais, são aquilo que o poeta Baudelaire defendeu quando disse que a mulher deve parecer mágica e sobrenatural, deve transformar-se em ídolo e colher de todas as artes os meios de elevar-se acima da natureza.
Forma e formato
A encenação é construída sobre um único espaço cênico, modificado de acordo com elementos de cena conduzidos pelos próprios atores ou sob cuidados de dois versáteis mordomos-garçons-coringas que produzem eficiente solução cênica e beleza. A iluminação é perfeita e traduz todo clima deslumbrante de Cabaré quando necessário, respeitando as nuances inerentes à decadência presente.
Sobre a música tenho pouco a dizer, pois sou aquilo que chamam de “analfabeto musical”. Mas sinto harmonia e sintonia com a proposta de direção e concepção visual. A trilha executada ao vivo no piano de Elenísio Rodrigues nos transporta efetivamente para New Paris City, universo construído pelo Empório.
Os atores dão conta do recado, recado dificílimo de se transmitir, aliás. Cantam, dançam e representam de verdade. De verdade mesmo. Daria para citar todos, mas destaco aqui Nívia Carla, no papel de Joe, a dona do cabaré.
Dramaturgia
O texto possui uma certa falha na resolução dos conflitos que ocorrem no segundo ato, fragilizando um pouco o esqueleto dramatúrgico, coisa que em nada prejudica a sua qualidade, pois os diálogos são inteligentíssimos e muito bem posicionados.
Incomoda a grande quantidade de cacos, a peça não precisa deles. Porém, em casa cheia e platéia receptiva permitem-se certos pecados em nome do público.
Fini
À guisa de término do texto, afirmo que Boulevard 83 está entre os melhores trabalhos que estrearam no estado nos últimos anos. A coerência entre o proposto e o realizado resultam num trabalho sério e de muita qualidade, merecedor de longa temporada e grandes platéias. O elenco do Empório consolida-se como exemplo da maturidade e gênio de uma nova geração no teatro capixaba.
Mais:
Elenco: Allan Toni, Dayanne Lopes, Danielle Pansini, Diego Carneiro, Leandro Bacellar, Luana Eva, Luciene Camargo, Ludmila
Porto, Marcos Luppi, Nívia Carla, Stace Mayka e Werlesson
Grassi.
Dramaturgia, encenação e espaço cênico : Leandro Bacellar
Direção musical e composição: Elenísio Rodrigues
Composições musicais: Elenísio Rodrigues e Leandro Bacellar
Direção de produção: Luana Eva
Direção de arte: Kênia Lyra
Coreografias: Tadeu Schneider
Preparação de canto: Patrick do Val
Iluminação: Thiago Sales - Overlan Marques
Figurino: Samira Alcântara e Luana Eva
Produção fotográfica: Jove Fagundes
Orientador dança de salão: Teresa Loofredo
Pianista: Elenísio Rodrigues
Duração: 120 minutos
Classificação: 16 anos
Datas, horários e local para próximas apresentações: Teatro Galpão, de 07 a 29 de novembro de 2009. Sábados, as 20:00, e domingos, as 19:00.
Os locais e horários desta temporada pode no site do grupo:
http://www.teatroemporio.com
Postado por Saulo Ribeiro em 05/07/2009 às 18:44 no blog Classificados da Ilha.
É isso aí, minha gente. Assistindo ao espetáculo se decidirem por escolhe-los como os melhores de 2009, entrem no site Omelete Marginal, cadastrem e votem! E bom espetáculo para todos!
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