Ontem (01/07/2014), no Facebook, vi dos belos desabafos de dois grandes atores que atuam fazendo teatro no Espírito Santo, a atriz Karina Americano e o ator, diretor e professor Leonardo Patrocínio.
Ambos tem trabalhos dos mais variados, desde comédias a dramas, no cenário teatral do estado. Fazendo trabalhos além dos palcos, como no cinema, também.
Eu pedi a ambos permissão para publicar seus desabafos no espaço “Na Coxia” do blog Teatro Capixaba, que seguem abaixo.
Um adendo: O ator Leonardo Patrocínio, que também já deu aula na Escola Técnica Municipal de Teatro, Dança e Música Fafi, gostaria de deixar claro que, nessa área, eu também encontrei profissionais éticos e qualificados. Porém, tive que relatar minhas percepções sobre a relação que muitos outros dessa mesma área estabelecem com os atores locais: preconceito, desconhecimento. Não conseguem enxergar potencial em atores locais.
Abaixo segue o que eu chamo de desabafo dos artistas. Abraços a todos!
Karinha Americano:
“Com meus 20 anos de carreira como atriz, vejo que nosso mercado tem crescido bastante. Mas ainda continuo a me perguntar: Porque você CAPIXABA não agrega a cultura local na sua vida social e/ou profissional?
“Passou da hora de nós artistas sermos valorizados!!
”Somos a NOSSA empresa, somos NOSSOS próprios empreendedores, se uma empresa precisa consertar uma parede compra o material necessário (tinta, massa corrida. .. enfim) A NOSSA precisa de dermatologista, cabeleireiro, manicure, dentista e muito conhecimento. E tudo isso é bem caro, capixaba não sabe o que é apoiar, patrocinar um artista e por isso temos muuuuitos gastos na nossa empresa e nos cursos e workshops por aí a fora.
“Isso tudo me fez repensar num estalo quando vejo um belíssimo comercial do governo do estado do Espírito Santo onde temos vários figurantes (que são atores) locais e os atores protagonistas são de outro Estado.
”Não desmerecendo o rapaz e nem a moça que ali aparecem mandando muito bem, mas sim o descaso com nós artistas capixaba, pois temos excelente atores e atrizes altamente capacitados para o job e no mesmo perfil que ali aparecem.
”Não me importa saber se era a proposta do roteiro colocar pessoas conhecendo o estado, pois trabalhamos com o lúdico, o faz de conta. E quem disse que conhecemos todas as maravilhas deste estado?
“Está na hora das Agências de publicidade, das Produtoras de vídeos, dos Clientes principalmente dos órgão públicos do Estado do Espírito Santo entenderem que somos muito bons no que fazemos, estudamos, batalhamos para manter a NOSSA EMPRESA e precisamos de TRABALHO.
”Outra informação importante: com o artista local você não precisa pagar hospedagem e nem passagem aérea, ou seja, custo benefício bom para todos.
”Somos atores e sabemos que a TV nos abre muito mais mercado.
”Fique de olho na cultura que é sua e é nossa. Entre mais em contato onde você vive.
”Vá ao teatro assistir peças locais. Pois confesso NUNCA ver vocês na platéia!
”Queremos parceiros.
“Queremos trabalhos.
”Conto com o apoio de todos os atores e atrizes capixabas para que essa informação chegue ao conhecimento de pessoas dos setores de comunicação do Detran, prefeitura, governo, e e etc. ..., das agências de publicidade e das produtoras de vídeos que são super parceiros (afinal quem define o artista é o cliente). Peço também o conhecimento no Satedes Sindicato Dos Artistas juntamente com a presidente Veronica Gomes que tenho certeza que vai abraçar mais essa luta artística”.
#ValorizeArtistaCapixaba #QueremosTrabalho #TvPublicidadePropaganda
Leonardo Patrocínio:
“Entendo claramente seu desabafo artístico Karina Americano.
”Sei do seu potencial como atriz, pois acompanho sua trajetória há anos.
”E compartilho seu desabafo porque concordo com sua crítica. Peço licença para incluir algumas considerações...
”Desde 2007, faço trabalhos como ator em campanhas de publicidade/propaganda aqui no Espírito Santo. Vivi situações em que fui muito respeitado, MAS vivi também situações toscas em que fui grosseiramente tratado por pessoas que trabalham nesse meio. Motivo ? Ser um ator local.
”Então, quanto àqueles que me ofereceram oportunidade de trabalho nesse ramo e com quem tive boas relações durante anos, OBRIGADO.
“Porém, há uma parcela (talvez a maior parcela) de pessoas que atuam nesse mercado que olha para o ator local com certo desdém, preconceito ou ainda com o terrível olhar de piedade.
”Essas situações tão antagônicas nos revelam alguns pontos:
”- Sim, há possibilidades de atores locais terem espaço neste ramo, mas há profissionais que infelizmente BARRAM essas mesmas possibilidades quando podem. Quem são eles? Não tenho como saber claramente, pois essas decisões passam longe do ator.
”- Há um grande DESCONHECIMENTO de alguns profissionais da área sobre o que seja o trabalho de ator/atriz e principalmente sobre como é a nossa FORMAÇÃO. E que investimos alto nisso (sim, nós gastamos dinheiro pagando cursos, comprando livros, fazendo videobook, portifólio, foto, etc)
”- Há uma abertura de "perfis" quando se escrevem roteiros publicitários? Que homens, mulheres, crianças, jovens, idosos estão representados nesses comerciais? Temos uma grande diversidade étnica aqui no Estado, porém essa amplitude ainda não se faz presente nos comerciais. Pelo que vejo, muitos deles ainda reverberam clichês.
”Poderia ficar aqui citando vários outros pontos que tenho percebido nestes últimos 07 anos em que trabalhei em comerciais. Mas, a lista é grande e confesso que muito me cansa relembrar situações e convites como:
(com devidas ironias)
”- Oi Léo. Você foi selecionado. Adoraram seu teste. Vamos fazer amanhã. É uma figuração, gravando no sol o dia todo. Se não der tempo a gente continua no dia seguinte. É uma campanha grande. Vai ter uma grande veiculação na mídia. Ah, o cachê? R$ 50. Leva sua roupa mesma pra usar como figurino. (Oi ???)
”- Alô, Léo, vc passou. Parabéns, quirido. Vamos fazer comercial de TV, Banner, flyer, internet. Comercial com texto. O cachê é 100 reais. Eu sei, Léo, é pouco. A gente está com o orçamento curto. Mas, no próximo trabalho eu tento compensar esse. (A pessoa fala com tanta educação que vc se comove... Aí, vc faz... No dia da gravação, ela nem olha na sua cara, o diretor te odeia porque vc é um ator local famosamente desconhecido. Ainda assim, vc ergue a cabeça, grava tudo direitinho, a equipe de filmagem te adorou porque vc não errou nenhuma fala, fez tudo o que o diretor pediu. Sabe o que acontece? Ela nunca mais te liga. Não te chama para nenhum trabalho e ainda fala mal de você.. E aquela história de compensar o cachê em outros comerciais? Era mentira, fofo).
”- Ah, você que é o cara? (Que cara?).
”Ah, me falaram muito bem de você. (Obrigado).
”Vamos fazer o teste então? É só falar esse texto aqui olhando pra câmera. (Aí, o cara te entrega páginas de texto. Vc se esforça pra memorizar, pois ele só te deu 10 min. Decorei o que pude e mandei ver. Não errei nada na gravação e desenvolvi muito do que tinha aprendido nos cursos que tinha feito. O cara coça a cabeça e fala com cara de decepção..).
”Não imaginava que você era bom mesmo. (Não entendi aquilo. Mas daqui a pouco explico...).
“Vamos gravar de novo? (Eu disse ok. Daí em diante, ele boicotou todas as vezes não me deixando terminar o texto).
“Qualquer coisa a gente te liga! (Não passei no teste. Mas, nunca saberei se fui bem ou mal, porque depois eu DESCOBRI que era uma farsa. Já havia um ator escolhido. Precisavam de testes ruins para mostrar ao cliente que o escolhido tinha a melhor performance. Esse foi cruel. Nunca mais voltei lá).
”Não estou aqui querendo dizer se eu devo ou não ser escolhido garoto propaganda. A questão é muito maior: o desconhecimento sobre o trabalho do ator e o estigma de que ator local é ator ruim.
”Enfim, quem me conhece, sabe o quanto estudo, busco aprimoramento e qualificação.
“Estudei em São Paulo, no Rio de Janeiro e aqui em Vitória. Nunca vou parar de estudar.
”Tenho seguido minha carreira no teatro e no cinema por aqui. Lá se vão quase 15 anos.
”Quanto aos comerciais... ainda enfrentamos uma postura do: ‘Vc não precisa receber cachê digno. Como você é um ator local, fique feliz pela oportunidade de aparecer na TV’.
”(Como é que é? Fala sério! )
”Também desejo que essa realidade mude.
”Respeitem os artistas locais”.
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